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Dando um Zoom: As Oficinas Virtuais da LLILAS Benson e Arquivos Parceiros na América Latina

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Traduzido ao português por Tereza Braga

Esse foi o Verão do Zoom nos Estados Unidos. Qualquer pessoa cujo emprego tenha passado de presencial para quase totalmente virtual nesse curto espaço de tempo já sabe como é (a) o isolamento, (b) a sensação constante de que não vai dar conta das coisas, (c) a overdose de videoconferências, ou (d) pelo menos uma das opções acima, senão todas ao mesmo tempo. Mesmo assim, a possibilidade de interagir com outras pessoas em plataformas tipo Zoom acabou nos permitindo avançar em certas áreas bem importantes. Esse foi o caso da recente série de oficinas conduzidas pela equipe de Iniciativas Digitais da LLILAS Benson (LBDI) com suas entidades arquivísticas parceiras na América Latina.

As oficinas foram originalmente concebidas para acontecer presencialmente durante um retiro de uma semana para todo o grupo de arquivos latino-americanos parceiros. O local escolhido foi Antigua, na Guatemala. Como atividade essencial da grant de dois anos da Fundação Mellon, intitulada Cultivating a Latin American Post-Custodial Archiving Community (Criação de uma Comunidade Arquivística Pós-Custodial Latino-Americana), a ideia era usar essa semana para criar uma oportunidade especial para essas entidades, cujas sedes são a Guatemala, El Salvador, Colômbia e Brasil. O retiro proporcionaria várias sessões de treinamento, intercâmbio de recursos e conhecimentos, troca de ideias e discussões sobre desafios que elas enfrentam em seus trabalhos.

Coleção Bordados, Museo de la Palabra y la Imagen (MUPI, San Salvador, El Salvador). Este bordado da Comunidad de Santa Marta, Honduras, descreve a vida no refúgio, incluindo vários tipos de trabalho. https://ladi.lib.utexas.edu/pt-br/mupi03

A grant da Mellon é para o período de janeiro de 2020 a junho de 2022 e subsidia os trabalhos arquivísticos pós-custodiais* executados em parceria com cinco arquivos selecionados, alguns dos quais já se encontram representados no repositório da Latin American Digital Initiatives. Esse repositório enfatiza coleções que documentem temas de direitos humanos e comunidades subrepresentadas.  

A pandemia do Covid-19 exigiu que a equipe de iniciativas digitais começasse a se articular e tomasse decisões rápidas para manter o ritmo do projeto no âmbito do cronograma da grant. O resultado foi essa série de oficinas oferecidas via Zoom, que exigiu dos membros da equipe LBDI a produção de vídeos completos de treinamento, concepção de sessões Q&A e agendamento de sessões com especialistas convidados. Os tópicos eram a montagem e redação de grants, preparo de orçamentos, processamento arquivístico, metadados, seleção de equipamentos, preservação digital e formação em tecnologia digital, entre outros.

Durante cinco semanas desse último verão americano, os participantes da oficina se reuniram duas vezes com Theresa Polk, David Bliss, Itza Carbajal, Albert Palacios e Karla Roig, todos membros da equipe da LBDI, com a presença adicional de Megan Scarborough, administradora de grants da LLILAS Benson. Todas as sessões foram conduzidas em espanhol com tradução legendada para o português (ou vice-versa) a cargo de Susanna Sharpe, coordenadora de comunicações da LLILAS Benson. Outros apresentadores foram Carla Alvarez, arquivista U.S. Latinx da Benson Latin American Collection, e duas especialistas em preservação de fotografias, Diana Díaz (Metropolitan Museum of Art) e María Estibaliz Guzmán (Escola Nacional de Conservação, Restauração e Museografia, ou ENCRyM, no México).

Capa, MOAB: A Saga de um Povo, por Maria Aparecida Mendes Pinto. Livro sobre os 25 anos do MOAB, ou Movimento dos Ameaçados por Barragens na região do Vale do Ribeira (SP, PR). EACCONE, Coleção Quilombos do Vale do Ribeira SP/PR. https://ladi.lib.utexas.edu/pt-br/eaacone01

Outros arquivos parceiros que conseguiram participar da série de oficinas online foram o  Museo de la Palabra y la Imagen (San Salvador, em El Salvador), Oficina de Derechos Humanos del Arzobispado de Guatemala (ODHAG, na Cidade de Guatemala), Proceso de Comunidades Negras (PCN, em Buenaventura, na Colômbia), e Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (EAACONE, Vale do Ribeira, no Brasil).

Apesar da distância física, ficou claro o alto valor atribuído pelos participantes a essa oportunidade de se reunir e aprender uns com os outros, especialmente durante uma pandemia que tem tido efeitos tão profundos na vida de tantos e no trabalho diário de todos nós. A pandemia ainda veio acompanhada de um forte isolamento, de ações de repressão e de crescentes ataques a certas comunidades. Esses fatores enfatizaram mais ainda, para as entidades parceiras, a urgência de preservar as documentações de suas comunidades não só para apoiar as lutas atuais por reconhecimento e respeito a direitos humanos básicos mas, também, para impedir iniciativas futuras que visem eliminar a memória ou negar a existência de violências e injustiças que sabemos vêm sendo cometidas. Esse compromisso compartilhado trouxe um grande senso de solidariedade para os participantes e um desejo de apoio mútuo.

Fotografias, Colección Dinámicas Organizativas del Pueblo Negro en Colombia, Proceso de Comunidades Negras (PCN, Colombia). Esta foto foi tomada numa reunião da assambleia geral do conselho comunitário do Rio Yurumangí. https://ladi.lib.utexas.edu/pt-br/pcn01

“Para o nosso time, foi uma experiência enriquecedora que nos permitiu refletir, como parte de um grupo multinacional, sobre as conquistas e expectativas do projeto LLILAS Benson Mellon”, relatou Carlos Henríquez Consalvi (conhecido como “Santiago”), do MUPI, que também ressaltou como positiva a oportunidade de conhecer de perto o trabalho dos arquivos parceiros “e entender os desafios que eles enfrentam com a conservação e difusão de suas respectivas coleções”.

Carolina Rendón, um dos dois participantes do Centro de la Memoria Monseñor Juan Gerardi, do ODHAG, disse que os fardos diários da pandemia ficaram mais leves com a oportunidade de interagir com outras pessoas: “Foi muito bom estar no mesmo espaço, junto com gente que trabalha em diferentes arquivos espalhados pela América Latina. A pandemia tem sido muito dura. Durante as oficinas nós passamos por vários estágios, primeiro o lockdown, depois o medo, depois o horror diante de tantas mortes… Eu valorizo muito esse travar conhecimento, mesmo que virtualmente, com gente que trabalha em arquivos de outros países”.

Para a equipe da LLILAS Benson, os comentários positivos e a sensação geral de gratidão pela solidariedade dos encontros online foram uma compensação pelo trabalho árduo que foi preparar os diversos vídeos semanais de treinamento em espanhol, cujos roteiros iam sendo rapidamente traduzidos para o português pela nossa expert colaboradora Tereza Braga. Nas palavras de David A. Bliss, arquivista de processamento digital, “o maior desafio foi destilar uma quantidade gigantesca de dados técnicos para obter apenas os elementos mais importantes e comunicar esses elementos da maneira mais clara possível em espanhol”.

Marta, a coordenadora do projeto de digitalização do PCN (esquerda) trabalha com Itza, bibliotecária de metadados da LLILAS Benson, durante uma visita em 2018 para organizar e fazer inventário dos materiais na coleção PCN. (Foto: Anthony Dest)

David aludiu ainda ao fato de que as próprias entidades parceiras são um grupo bem diversificado, com formações, necessidades, e tipos de arquivos diferentes. “Algumas das nossas parceiras já rodam programas de digitalização há anos mas, para outras, as informações eram todas novas, então eu me dediquei muito para poder chegar a um equilíbrio entre os dois lados, usando recursos visuais e definições bem claras para os termos técnicos”, ele declarou. 

Um dos aspectos mais gratificantes da série foi constatar que é possível reunir profissionais arquivísticos e líderes ativistas, todos trabalhando para preservar registros importantes de memória no campo dos direitos humanos, em um só espaço, mesmo sendo um espaço virtual, para compartilhar seu trabalho e suas perspectivas e se enriquecerem mutuamente. David explicou isso dizendo que “o normal é trabalharmos individualmente com cada organização parceira para auxiliá-la a administrar seu projeto de digitalização, com a meta de capturar todas as coleções daquela entidade e reuní-las no LADI para incentivar usuários a estabelecer conexões entre elas. Mas muitas das nossas parceiras não se restringem à guarda de coleções de documentos históricos; elas estão engajadas em tempo real na luta em prol de suas comunidades. Elas são, portanto, muito melhor equipadas para ajudar uma à outra a traçar estratégias e conseguir êxito nesse trabalho do que nós. Sendo assim, dar a elas o espaço para formar essas conexões diretas umas com as outras é realmente importante. E isso é muito validador para nós também, porque essa tem sido uma das nossas metas há anos já: queremos ser apenas um elo de uma rede de parceiras; não queremos estar no centro da rede”.


* Arquivística pós-custodial é um processo utilizado para preservar digitalmente certos arquivos, muitos deles vulneráveis, e disponibilizar essas versões digitais para o mundo inteiro aumentando, assim, o acesso aos conteúdos e assegurando, ao mesmo tempo, que eles permaneçam sob a guarda e os cuidados de suas comunidades de origem. A LLILAS Benson é uma pioneira desta prática.

Destaque para novas coleções do Repositório Digital Latino-Americano Atualizado

POR DAVID A. BLISS / TRADUZIDO POR TEREZA BRAGA

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Mais de 60 mil imagens escaneadas de sete coleções de arquivo espalhadas pela América Latina estão agora disponíveis virtualmente no repositório atualizado da Iniciativas Digitais Latino-Americanas (em inglês, LADI) (ladi.lib.utexas.edu). O site foi desenvolvido durante um período de dois anos pela equipe Iniciativas Digitais da LLILAS Benson e por desenvolvedores de software das Bibliotecas da Universidade do Texas, com o apoio da Fundação Andrew W. Mellon. Uma versão anterior do site, com quatro coleções de arquivos, foi lançada em 2015.

¡Alto a la represión del sindicalismo! [Pare à repressão ao sindicalismo]. Da coleção Colección Conflicto Armado, Afiches, Museo de la Palabra y la Imagen, San Salvador, El Salvador. https://ladi.lib.utexas.edu/pt-br/mupi01

As imagens digitalizadas do repositório LADI foram criadas por organizações proprietárias de arquivos na América Latina, em parceria com a LLILAS Benson. As organizações parceiras produziram digitalizações de alta qualidade e metadados detalhados sobre suas coleções, enquanto que os profissionais da LLILAS Benson proporcionaram equipamentos, capacitação local e consulta técnica para um ordenamento arquivístico pós-custodial. O repositório virtual foi criado para utilização por pesquisadores, professores e ativistas, assim como pelas comunidades a quem pertencem as peças. O site pode ser navegado em inglês, espanhol e português.

Manifestaciones reclamando la reglamentación del artículo transitorio 55 [Manifestações que demandam a reglamentação do Artigo Transitório ]. Da coleção Colección Dinámicas Organizativas del Pueblo Negro en Colombia, Proceso de Comunidades Negras, Buenaventura, Colombia. https://ladi.lib.utexas.edu/pt-br/pcn01

As coleções encontradas na LADI abrangem um período que vai do século XVI ao século XX e foram criadas por profissionais do projeto trabalhando nas instalações das seguintes entidades parceiras: Arquivo Judicial do Estado de Puebla (México), BICU-CIDCA (Nicarágua), Centro de Pesquisas  Regionais da Mesoamérica (CIRMA, Guatemala), Equipe de Articulação e Assessorias às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (EAACONE, Brasil), Museu da Palavra e da Imagem (MUPI, El Salvador), e Processo de Comunidades Negras (PCN, Colômbia). A variedade de materiais encontrada nessas coleções reflete a diversidade étnica e social da América Latina. Ao mesmo tempo, as coleções tratam de lutas que são comuns a vários povos e transpõem limites temporais e geográficos. Os destaques temáticos específicos das coleções do repositório são direitos afro-latinx e indígenas, justiça ambiental e conflitos armados internos da era da Guerra Fria. As coleções são as seguintes:

  • Archivo de Inforpress Centroamericana (CIRMA, Guatemala)
  • Colección Conflicto Armado. Afiches. (MUPI, El Salvador)
  • Colección Conflicto Armado. Publicaciones. (MUPI, El Salvador)
  • Colección Digital del Periódico “La Información” (BICU-CIDCA, Nicaragua)
  • Colección Digital Fondo Real de Cholula (Archivo Judicial del Estado de Puebla, México)
  • Colección Dinamicas Organizativas del Pueblo Negro en Colombia (PCN, Colombia)
  • Quilombos do Vale do Ribeira SP/PR (EAACONE, Brasil)
MOAB – A Saga de um Povo. Da coleção Quilombos do Vale do Ribeira SP/PR, Equipe de Articulação e Assessorias às Comunidades Negras do Vale do Ribeira, Eldorado, Brasil. https://ladi.lib.utexas.edu/pt-br/eaacone01

Detalhes do site atualizado

A nova versão do site foi criada do zero com a utilização de uma pilha tecnológica de fonte aberta constituída de Fedora 5, Islandora 8 e Drupal 8, com base no Quadro de Descrições de Recursos (RDF) para dados ligados. A infra-estrutura de repositório atualizada permite aprimorar significativamente o caráter multilíngue do site e disponibiliza mais conexões entre objetos para facilitar buscas cruzadas e descobertas. O site foi desenvolvido com a ajuda de uma combinação de funções Islandora padrão e código personalizado que volta para a comunidade Islandora em forma de contribuições.

Avalúo de los bienes de Manuel Romero [Avaliação dos bens de Manuel Romero]. De Colección Digital Fondo Real de Cholula, Archivo Judicial del Estado de Puebla. https://ladi.lib.utexas.edu/pt-br/frc01

A equipe núcleo do projeto consistiu de David Bliss, Itza Carbajal, Minnie Rangel, Brandon Stennett, e Theresa Polk. A equipe da Iniciativas Digitais LLILAS Benson gostaria também de agradecer as contribuições de outras pessoas que apoiaram esse projeto, inclusive os profissionais e gestores de cada organização parceira; os articuladores acadêmicos Dr. Anthony Dest, Dra. Lidia Gómez García, Dr. Kelly McDonough, e Dr. Edward Shore; os tradutores Tereza Braga, Jennifer Isasi, Joshua Ortiz Baco e Albert Palacios; os serviços de IT das Bibliotecas UT; a equipe de Administração Digital das Bibliotecas UT; Megan Scarborough, Gerente de Grants da LLILAS Benson; as equipes gestoras das Bibliotecas UT e LLILAS Benson; a Fundação Andrew W. Mellon; a comunidade de desenvolvedores do Islandora; e os pós-graduandos assistentes de pesquisa que contribuíram para esse projeto: Alejandra Martinez, Joshua Ortiz Baco e Elizabeth Peattie.


David A. Bliss é arquivista de processamento digital de LLILAS Benson Coleções e Estudos Latino-Americanos, da Universidade de Texas em Austin.